sexta-feira, 9 de julho de 2010

Reencontro

Coisa comum é irmão mais velho ser a referência para os mais novos na infância. Bem, na verdade até hoje a Bruna, minha irmã, ainda é. Bruna era criança esperta, obediente, inteligente. Lembro de até me questionar porque ela era tão pretinha e eu não. Mas o que mais admirava era quando ela chegava da escola (eu ainda não estudava) cantando musiquinhas e meus pais adoravam. Afinadinha! E também quando Sandy e Junior tocava no disco e ela sempre ritmada, fazia passinhos bonitinhos. Já eu não nasci afinada. Nem tinha ritmo direito. Mas sempre gostava de ser aplaudida quando inventava minhas musiquinhas e cantava, mesmo desafinada. Minha mãe, de família musical (muito talentosa, por sinal) também insistia todo dia colocando alguma coisa pra me ensinar a dançar. De preferência "bada" ou lambada, meu ritmo favorito na infância. Na verdade eu não sei se gostava mais da lambada ou do vestidinho "de danxá bada".

Bem, a verdade é que a Bruna aos nove anos entrou no Coral Infantil da UCG, hoje PUC, onde meu pai é professor. Não preciso falar que eu não faltava uma apresentação e um ensaio. Minha mãe e meu pai foram se preocupando com meu envolvimento, afinal eu tinha certeza que assim que completasse sete anos, eu estaria ali dentro. Mas o obstáculo era um tal teste de aptidão. Meus pais acreditavam fielmente que dele minha desafinação não passava. Me enfiaram por um mês na casa da vizinha, que tem piano, e ensaiei repetidamente "parabéns pra você". Era a música que tinham pedido pra Bruna cantar no teste. Era março, como faço aniversário em maio, fui fazer o teste com seis anos mesmo. Sinceramente, não sentia a desconfiança dos meus pais. Talvez porque, abusada como sempre, eu tinha certeza que entraria ali no coral. Hãm, eu sabia todo o repertório! Já sabia até a postura de coral. Achei que isso era quase suficiente.

Se eu não estava tensa até então, não foi mesmo o teste que me deixou nervosa. Chegando na salinha do coral, na época bem pequena, me encontro com a tal Tia Elene, que já era minha tia também. Serena, com aquele jeito de lidar com gente que até hoje tento aprender. Sorridente me perguntou se poderia cantar "Atirei o Pau no Gato" batendo palma nos fins das frases. Tipo to-to, reu-reu, ca-ca. Não era parabéns que tanto tinha treinado. Mas deu tudo certo e ao fim, bem pedagogicamente, Tia Elene me pediu reservas e disse que estava impressionada com meu teste. Acreditei.

Foram onze anos no coral da Católica. Dos seis aos 17. "Carinhoso" foi a primeira música que aprendi. Cirandas também foi por aí que me ensinaram. Aos 10 fui desafiada a atuar, dançar e cantar com "A Magia de Monteiro Lobato". Dali, solo no Musical das Águas, quando comecei a viajar bastante sozinha. Depois entrei pro sexteto Musicanto. Foi quando cantar teve tom profissional. Por fim, até me rendeu viver experiência de atriz de cinema, no curta de Amarildo Pessoa "A Última Clareza".

Mas nada do que me aconteceu musicalmente e profissionalmente tem o mesmo impacto do que a formação humana que o coral, na pessoa da Tia Elene, me proporcionou. A verdade é que não dá pra pensar o que teria sido da minha vida, se não tivesse entrado no coral. E também não dá pra registrar tudo que vivi, aprendi, conheci nesse espaço. Encontrar a Tia Elene é uma sensação muito parecida com chegar em casa depois de uma longa viagem. Apesar do tia, ela teve papel de mãe, que cria, ensina e depois deixa o filho voar, ficando sempre de olho, mesmo que longe. Desde os meus 17 era sempre assim. Filho chegando em casa depois de viagem longa e falando como foi. Ou como está.

Quatro anos depois a moça que me ensinou a cantar lírico, mas também música popular brasileira, conhece o tal trabalho de coco que suas meninas estavam metidas. Ela gostou. Ufa. Assistiu, dançou, curtiu. Segunda passada, o reencontro. Sem timidez ou desconforto, eu e Bruna procuramos Tia Elene pra ajudar no vocal dos Passarinhos, que já não conseguimos mais avançar sem empurrão profissional. Sem pestanejar, com o mesmo sentimento de mãe, ela nos recebeu de volta na sala do Coral.

Acho que tá aí a graça da vida. Reencontrar. Que pessoas muito especiais passam por nossas vidas e que depois acabam indo, a gente aprende em cada página de frases de efeito na internet ou em livros auto-ajuda. Mas que vamos reencontrar e que elas serão especiais de novo não é certo. E quando acontece é talvez mais prazeroso do que se não tívéssemos nos afastado. Reencontrar uma música, um filme, uma cartinha, uma peça de roupa, um caderno. Não sou tão manteiga assim, nem tenho tendência a escrever coisas sentimentais e pensar sobre isso. Mas reencontrar a Tia Elene, o sentimento que vivi essa segunda, confesso, me fez refletir. Eu não só me reencontrei com ela, mas com minha infância, com minha formação, com meu aprendizado, minha história. Se não reencontramos, nossa história passa batido. Não paramos para lembrar como era. Mas, talvez, Walter Benjamin pode falar melhor sobre isso. Não me atrevo e já cansei as vistas do querido leitor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

e aí?