domingo, 14 de novembro de 2010

Simonal: o rei da cocada preta

Temos grandes compositores e músicos na história da música brasileira. Como não admirar a intelectualidade de Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento; a ousadia de Tom Zé e Tim Maia; a emoção dos sambistas Cartola, Noel Rosa e por aí vai. São muitos nomes. Mas, particularmente, como cantor de fato, admirar voz em si, ficar admirada com presença de palco e com domínio de público, tenho dois grandes ídolos: Ney Matogrosso e Wilson Simonal. O primeiro sempre ouvi falar, mas aos meus 15, 16 anos que fui me encantar, conhecer melhor, ir aos shows e ficar realmente fã. O segundo fui ouvir falar lá pelos 18 e imediatamente fiquei fã. O ápice do encanto se deu vendo os vídeos. Quando envolvida e conhecendo Simonal, fui compartilhar com meus pais minha nova 'descoberta' e imediatamente me falaram da sua conexão com a ditadura. Eu não pudia imaginar que isso tivesse sido tão sério.

Vendo o documentário de Simonal fui entender porque demorei a ouvir falar sobre ele. Famosos cantores da década de 1970 como Chico, Gil, Caetano, a gente nunca deixou de ouvir falar. Já o Simonal, se perdeu na história da música brasileira por uma história mal contada que se tornou uma verdade cruel. O fato é que o cantor achou que estava sendo roubado pelo contador, que negou. De acordo com o funcionário, o cantor tinha perdido um contrato com a Shell e os recursos dos shows eram insuficientes para bancar seu padrão de vida. Sem estar convencido, Simonal levou o funcionário pro DOPS pra que confessasse, a custa de torturas, o roubo. De acordo com o contador, ele resolveu inventar que estava roubando o cantor quando o torturador disse que traria a família dele para também sofrer agressões. O contador denunciou Simonal na delegacia civil e o cantor, quando viu que a coisa era séria, tentando ver uma saída e ter proteção, disse que tinha ligação com o DOPS. Daí todo o repúdio, julgamento e condenação da imprensa, da classe artística, e, consequentemente, dos brasileiros.

Daí em diante a história de Simonal caiu numa verdadeira tragédia, no seu sentido mais filosófico, explico. As infortunas que nos acometem sempre exigem boas deliberações, para que as desgraças as quais estamos destinados não piorem. Isso porque a existência humana, em si mesma, não é uma catástrofe, mas podemos cometer excessos em nossas atitudes ao tentarmos driblar o destino, desafiando os deuses. É justamente esse excesso que caracteriza a tragédia, sendo essa a representação cênica do drama que recai sobre os homens, tal drama representado pelos erros que estamos sempre suscetíveis pelos limites de nossa razão, as desgraças que estamos destinados, que não podemos nos livrar, mas podemos contribuir para que piore.

E acredito que foi isso que aconteceu com o cantor. Talvez ele estivesse destinado a uma desgraça, mas contribuiu para que piorasse. Sua vida não poderia ser uma catástrofe, mas cometeu excessos demais e isso arruinou sua vida. Diante de uma grande infortuna, Simonal agiu muito mal. Isso tirou o nome do cantor da história da música brasileira por muitos anos. Em 1992 voltou a aparecer, mas sempre com o fardo da ligação com a ditadura nas costas. Sua voz não era mais a mesma, assim como seu brilho e sua alegria. Ele vivia para provar que não tinha ligação com DOPS e que nunca havia dedurado ninguém. Como admiradora intensa dessa voz, suíngue e domínio de público de Simonal, assistindo ao documentário, tentei entender aonde ele errou. O que aconteceu para que a desgraça fosse tão grande.

Simonal era um cantor em plena ditadura. Mas isso, realmente, não lhe importava. Negro, de origem pobre, se preocupava muito mais em ostentar suas riquezas e mulheres. Era isso que lhe importava. Um único fio político que poderia ver em sua postura e algumas músicas diziam respeito ao preconceito contra negros. Só. Simonal ignorava completamente o contexto histórico. De primeira, eu diria que não o condenaria por isso. Quantos músicos hoje temos que estão se lixando pra política? Por outro lado, passei a ver que, num momento de radicalismos, de revolução, não dá pra ficar em cima do muro. Não dá pra fechar os olhos. Ou você tem um lado, ou em algum momento difícil será exigido uma postura sua que questiona de que lado está, porque não há uma esfera em que a ditadura pudesse ser ignorada. Simonal ignorou, menosprezou, e num momento difícil usou o DOPS para resolver um problema pessoal. Ora, mas DOPS não é coisa de esfera pessoal. Trata-se de algo que estava arrancando sangue, vidas e choros de mãe. Simonal não pensou. Ou diria Hannah Arendt, banalizou o mal.

Se Wilson menosprezou o DOPS, foi o que não fizeram a imprensa, a classe artística e militante. Se o cara diz que tem ligação com esse departamento, logo o acusam de ser dedo-duro. Foi a verdade criada que Simonal teve que enfrentar até a morte. E que só na década de 1990 foi possível provar que era mentira. Se o cantor não se importava de não ter um lado, de não lutar contra a ditadura, os seus colegas artistas-militantes se importavam. Se por um lado, ele nunca se mostrou contra ditadura, num deslize que ele pode ter se mostrado a favor, foi suficiente para condená-lo. Nesse escorregão do cantor, quem poderia o defender, não o fez. Daí vem um outro fator que contribuiu para tragédia do cantor: o ataque de uma classe formadora de opinião com a força esmagadora de uma imprensa. Que condena, julga e linxa sem haver provas, se aproveitando de um prato cheio.

Por fim, o último e mais óbvio fator: a cegueira que o sucesso e o dinheiro causam. Simonal adorava ostentar, dizia que não existe pobre feliz; bom mesmo é ter dinheiro. Além de pobre, ele era negro. O jeito de impôr seu respeito, além do talento, era com seu poder financeiro. Ele não queria perder isso, porque ele não queria perder o respeito. Ele sabia que era o rei da cocada preta. Mas achou que isso era infinito. Ficou tão cego, a ponto de usar do DOPS para torturar seu contador. Ele não queria saber como ia sua renda, seus contratos, mas de gastar com o que quisesse. Ao ver que as coisas não iam bem, era mais fácil condenar um funcionário do que entender o que estava acontecendo e baixar a bola.

Ao contrário do que meio Brasil fez e ainda faz, eu não condeno Simonal. Eu não o repudio. O cara errou. Pisou na bola feio. Não soube lidar com os erros. Jamais deixarei de ouvir e o elogiar em mesas de bar pelo. É um dos maiores cantores do Brasil, uma das vozes mais bonitas, tem um dos maiores suingues, quem conseguiu, desde então, dominar uma platéia como ele? Os cantores também são humanos e erram. Que fique seu talento e contribuição para história da música brasileira.

domingo, 24 de outubro de 2010

Agentes de ditadura: Punir ou não punir?

Lei criada em 1979 concede a anistia a todos que cometeram crimes políticos. Impunidade ainda é questionada


Marcantônio Dela Corte e Juarez Maia em 1968. Um ano antes foram presos distribuindo panfletos em defesa da Amazônia.

Marcantônio Dela Corte era um jovem cheio de ideais, sonhava e lutava por um país democrático. Em 1963, pouco antes do golpe militar, pertencia ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), militava nos movimentos estudantis e trabalhava na TV Anhanguera. Em 1966, com a queda do PCdoB no estado, Marcantônio foi preso pela primeira vez por 40 dias, quando o Habeas Corpus ainda era possível. “Eu tinha 20 anos, por mais que tivesse estrutura, fiquei numa solitária, sem o mínimo contato com as pessoas. Dormia no cimento frio, praticamente de cueca: uma situação na qual o ser humano perde as referências” relata.

Assim que veio o AI-5, tudo ficou muito mais difícil e esse processo condenou Marcantônio a três anos de prisão. Até lá ele militou na clandestinidade e também na legalidade, por meio dos movimentos estudantis. Em 1967 Marcantônio e seu companheiro, Juarez Maia (hoje professor de Jornalismo na Universidade Federal de Goiás), foram presos em flagrante distribuindo panfletos em defesa da Amazônia, vítima da grilagem de terras praticada pelos norte-americanos. “Tivemos pena de confinamento. Não podíamos sair de Goiânia e éramos monitorados em tudo que fazíamos. No país, éramos somente eu, Juarez e Jânio Quadros os confinados”, conta Marcantônio.

Em 1969 o AI-5 já vigia e Marcantônio foi preso em flagrante com sete companheiros. Fez uma viagem sob condições desumanas até Juiz de Fora, onde ficou encarcerado num presídio de segurança máxima por três anos. Juarez havia se desfiliado do movimento chamado Ação Popular e juntou-se a um grupo de resistência armada ao regime militar, do qual pertencia a atual candidata a presidência Dilma Roussef. Atuou na região de Goiânia, foi condenado em várias instâncias em Juiz de Fora e foi viver clandestinamente no Rio de Janeiro por quase três anos. Depois, doente e debilitado fisicamente, buscou caminho do exílio no Chile.

Anistia


Em 1979 foi promulgada pelo presidente Figueiredo a Lei da Anistia, ou Lei nº 6.683. Ela estabelece que a anistia é concedida a todos que, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais e aos que tiveram seus direitos políticos suspensos. Aqui compreende-se torturados e torturadores. Isso significa que aqueles que prenderam e torturaram Marcantônio, Juarez e tantos outros, ficaram impunes.



“Houve muitas negociações, participei da luta pela anistia quase diariamente. Ela realmente foi negociada”, afirma Marcantônio. Ele diz ainda que as forças políticas democráticas naquela época não eram tão fortes a ponto de aprovar outros avanços nessa lei, como a punição dos torturadores. “A partir de 1973 quase todo pessoal da luta armada já estava preso. Foi uma votação apertada pela anistia”, diz.

A partir de então, acontecia um franco processo de abertura. Por outro lado, o regime militar vinha, a cada dia, perdendo o prestígio e força. O fracasso do milagre econômico de Médici, por exemplo, veio a agravar as desigualdades e miséria, além de elevar inflações. O clamor social era muito forte por uma redemocratização. Em 1984, o movimento Diretas Já garantiu uma redemocratização, mas a Emenda Parlamentar que permitia a população votar diretamente para presidente foi rejeitada no Congresso.

O professor de Direito da UFG Arnaldo Bastos afirma que esse movimento foi fundamental para mudança de regime de governo, mas não do grupo de dirigentes. Ele acredita que a democracia não demoraria a ser estabelecida devido ao fracasso do regime e que ter cedido à formação do Colégio Eleitoral contribuiu para que a impunidade de torturadores continuasse a constar na lei. “Não tivemos uma revolução democrática. Até hoje não reformamos a instituição violenta do Estado que é a polícia. Nossas polícias não se comportam como de um país democrático”, contesta.

Impunidade


O professor acredita que a Constituição de 1988 é muito boa, mas fez muitas concessões. “O balanço geral que faço da Constituição é positivo, mas tivemos perdas políticas e a impunidade dos torturadores é uma delas”, afirma Arnaldo. Juarez Maia reforça que a lei foi feita pelos movimentos políticos da burguesia atual em negociação com militares, mas tanto ele quanto Marcantônio acreditam que foi uma lei feita dentro das possibilidades da época e não teria como ser diferente.

Os danos foram muitos. Marcantônio perdeu emprego na TV Anhanguera em 1966. Conseguiu trabalho em outra televisão, mas como militava, a TV o demitiu. Quando foi preso em 1969, ele trabalhava num banco e também perdeu o emprego. “Danos morais se estendem de forma muito grande. Fui ter alguma indenização em Brasília em 2002 por dano material, baseado no primeiro emprego que perdi, não nos demais. Nem sei se chega a ser tão importante assim”, conta Marcantônio.

Em abril desse ano, o Superior Tribunal Federal rejeitou revisão da Lei de Anistia proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil. A OAB questionava a concessão de anistia a agentes de ditadura. “Qualquer um que tenha que se envolvido em atos de tortura tem que pagar por isso. Se não fizermos isso, nossa polícia vai continuar torturando”, argumenta o professor Arnaldo. Ele acredita que o fato de não haver punição permite que ação continue a ser praticada.

Marcantônio argumenta que a tortura sempre existiu no Brasil e não é punindo, hoje, aqueles que a praticaram durante a ditadura que ela não continue a acontecer. Ele não é favorável que os coloquem na cadeia, primeiramente porque a lei não permite e é essa a decisão do STF. “Será que o momento é de olharmos para trás com rancor, com ódio, revanchismo? É positivo? Não é melhor olharmos para trás de outra forma, reconhecendo erros e não deixarmos que isso aconteça de novo?”, contesta.

Além disso, Marcantônio sustenta que a maioria dos torturadores está morta e que, se fosse para julgá-los, deveria também julgar comandantes militares, os principais responsáveis, presidentes e ministros. Juarez compartilha do posicionamento de Marcantônio. “Eu não gostaria de ver nenhum velhinho na cadeia, pois estaria sendo injusto. Teria que prender também os responsáveis. Mas não concordo que a memória nacional seja apagada”. Arnaldo, por outro lado, questiona. “Se alguém com 90 anos de idade pratica homicídio, ela estaria impune?”.

Daqui pra frente


Por outro lado, Marcantônio reconhece que as torturas continuam com presos comuns. “Olha o que fizeram no Carandiru em plena democracia. Aqui no Parque Oeste Industrial. Humilharam as famílias de forma absurda, mataram três pessoas e não foram punidos. Veja quantos presos foram mortos durante a ditadura e em uma hora, eles mataram 111 presos no Carandiru”, lembra. O que fizeram no Carandiru, para Marcantônio, é reflexo da repressão que acontecia na Ditadura, mas completa. “Temos que criar uma maneira inteligente de impedir isso, não é punindo torturadores, mas através da educação. A mim, só me cabe perdoar”.



Juarez Maia é a favor da criação de uma comissão nacional de memória do período da ditadura. Ela se encarregaria de saber o que aconteceu, quem foram os culpados, quem torturou, quem mandou torturar, porque se torturou, quem foram mandantes, etc. “E também registrar o outro lado: quem participou dos movimentos, da luta armada, como; enfim, passar a história nacional do Brasil a limpo”, afirma.

Já Marcantônio compartilha da proposta da Associação dos Anistiados de criar Tribunal Popular Nacional para julgar crimes praticados durante o período militar. “Não tem força de lei, mas tem força moral. Condena os torturadores de forma ética e moral”, explica. Ele ainda acredita que o mais correto seria colocar essa história do Brasil nos currículos dos ensinos fundamental e médio, para que se transmita a história de forma mais real. “Essa é uma maneira de educar a população”, explica Marcantônio, que já foi professor de História.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Uma opinião em período eleitoral

Por Marcelo Carneiro*

Ficamos vendo essa mídia comercial, a todo o momento, nos tratando como idiotas e seres não-pensantes e não-participativos.

Na área em que trabalho, a cultural, vivi nesses anos todos de Governo Lula, um amplo debate democrático e de mudanças para melhorar as condições, tais como, a desconcentração de recursos, a diminuição da burocracia, o melhor atendimento da comunidade em relação à cultura, criação de um plano nacional de cultura a longo prazo, criação de um sistema para unificar a cultura de todo o país, dentre várias outras coisas (e isso numa área que nunca foi prioridade em governo algum). Eu vivo isso e vejo melhoras muito acima, mas muito mesmo, em relação a governos anteriores e governos atuais de outros partidos de estados e municípios que não discutem, praticamente nada, com a comunidade interessada. As políticas só vêm de cima para baixo e ponto.

Isso é uma análise prática, do meu dia-a-dia, e vêm essas mensagens simplistas e, muitas vezes, de fontes desconhecidas e duvidosas, que apregoam que a Dilma é "terrorista” e “guerrilheira", e que o Lula é "analfabeto", "bêbado" e outras coisas mais. Dá licença, né? Eu quero um debate com um nível bem maior, onde podemos nos encontrar cada vez mais em reuniões, fóruns, seminários, congressos e audiências públicas, onde as pessoas podem colocar seus pontos de vistas, seus anseios, - e que sejam divergentes -, mas que sejam propositivos para um país melhor.

Não sou partidarizado, mas quero sempre ser politizado, com uma visão política mais ampliada e com intenções de melhorar de fato nossa comunidade. Ficar encontrando só os "podres do governo", como essa mídia comercial faz e ficar martelando o tempo todo, dá licença, de novo, né? Não estou dizendo que este governo não tenha corrupção e que é perfeito ou se quer chega num quarto do caminho para sê-lo, mas me parece que é a mesma coisa, de eu, como ser humano, cometer erros e chegar pessoas e ficar apoquentando o tempo todo que sou isso ou aquilo. E as minhas virtudes onde ficam? E a minha vontade de acertar, não vai ser discutida?

E se for assim, que venham outros “Lulas” e dêem a mesma abertura e os mesmos índices de desenvolvimento e crescimento que estamos tendo.Sejam bem-vindos “bêbados” e “analfabetos” dessa estirpe, temos muito que aprender com vocês!!!

E vamos sim, votar com consciência e com o coração, que sempre tem a melhor resposta!

* Produtor Cultural e diretor da Federação de Teatro de Goiás (FETEG)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Para mente e alma

Experiências musicais garantem prevenir e aliviar o estresse. Criatividade, sensibilidade e sociabilidade também são elementos que podem se desenvolver por meio dessas atividades

Trânsito, trabalho, família, relações sociais, diversidade de compromissos, corrida para o sucesso. Esses são alguns fatores da vida moderna que levam os indivíduos ao famoso problema do século XXI: o estresse. Viver na contemporaneidade exige adaptação e momentos de reflexão para que o indivíduo saiba enfrentar e se adaptar a determinadas situações. Contudo, cada organismo reage de maneira singular frente a elas, ora adaptando, ora sendo acometido de estresse. É o que afirma a musicoterapeuta e mestre em música pela Universidade Federal de Goiás, Fernand Ortins.

Nesse sentido, todas as pessoas estão sujeitas ao estresse, umas mais outras menos. Fernanda argumenta que esse sentimento, contudo, deve ser visto também sob uma ótica positiva. É ele que faz as pessoas viverem e realizar atividades. O que não deve acontecer é deixar o estresse tornar-se patológico, caso chegue nesse estágio. “O primeiro passo é averiguar o que está deixando a pessoa em estado de estresse e se possível em qual nível: alerta, resistência, quase exaustão ou exaustão. No último pode emergir problemas de saúde, como por exemplo, alguma doença cardíaca”, alerta a musicoterapeuta.

Para evitar cair em qualquer um desses níveis de estresse, há quem busque a música como forma de terapia. Corais, aulas de instrumentos e musicoterapia são algumas opções que acabam trazendo outros benefícios àqueles que evitam ou combatem o estresse.

Indo além


Elene Mota Tipple é regente do Coral Vozes e Cores e do Coral Infanto Juvenil da PUC-Goiás. Há mais de 25 anos a musicista está a frente dos coros e acredita que a música exige tal nível de concentração das pessoas que as forçam esquecer seus problemas. “O corista tem que se envolver de tal forma que ele se sente obrigado a desligar de outras preocupações. Há poesia, letra e melodia para pessoa refletir. Então ela se envolve de tal forma que naquele momento não tem nem condições de pensar em dificuldades”, diz Elene argumentando como a música ajuda a combater estresse.



Bruna Junqueira, 24, participou dos corais da PUC-Goiás (Primeiro Infantil depois Vozes e Cores) por quase 12 anos. Afastou-se da música por dois anos e foi quando se sentiu tomada por um sentimento de irritação constante. “Eu vivia nervosa. Foi quando percebi que era a falta de música na minha vida e minha irmã, buscando me auxiliar, me convidou a participar do grupo em que cantava, os Passarinhos do Cerrado”, testemunha Bruna.

Após dois anos de reencontro com a música, Bruna hoje afirma que, de fato, isso contribui de forma relevante para seu controle emocional e do estresse. “Hoje me sinto mais relaxada, eu vivia tensa! A música é algo que foge da rotina. Estimula a criatividade, exige outras inteligências e habilidades de você”, afirma Bruna. Elene também acredita que a música vai além, trabalhando sentimento, emoção e sensibilidade.

Essa criatividade estimulada pela música também é lembrada na musicoterapia. “O paciente ao vivenciar o tratamento musicoterapêutico terá a música como uma ferramenta auxiliar no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento ao estresse, de forma menos invasiva e, principalmente, mais criativa. A criação significa vida, saúde e realização pessoal”, afirma Ortins.

Alexandre Ariza é musicoterapeuta, mas também paciente. Ele afirma que chega de um jeito na sessão e sai de outro, pois elas mexem profundamente com suas emoções. “Nem sempre saio alegre, mas saio com outra freqüência de pensamento”. Elene também afirma que quando as músicas são mais alegres ou mexem com a emoção de certos coristas, eles saem diferente do encontro.

Socialização


Romanza de Vieira, como Bruna, participou do Coral Vozes e Cores por seis anos, se afastou por três e acabou voltando a participar do coro em março. A corista afirma que tem estresse o tempo todo por motivos variados, mas afirma que fazer parte do coral proporciona sensações de bem estar. Um dos principais motivos é a socialização. “Eu me divirto vendo meus colegas em palco, com os solos, comigo mesma e sei que isso proporciona algo de bom a mim”. Ela afirma, no entanto, que fazer parte do coral é ter compromisso. E mais compromisso significa mais estresse, mas afirma. “Estar aqui, conviver com pessoas que gosto me faz vir aqui”.

Bruna também reforça a capacidade de socialização da música. “Ela me permite conviver com outras pessoas e estar em outros ambientes que me fazem fugir da rotina. Isso me faz muito bem”. Alexandre reitera como a terapia favorece a socialização. “É diferente eu tocar em casa sozinho e tocar em grupo. Esse é o grande diferencial da música, como ferramenta terapêutica mas também desafio, pois aumenta sua tolerância”, argumenta.

Ele também reforça como a música ajuda a entrar em contato com outras pessoas. “Tocando junto, somos obrigados a nos perceber: isso ajuda a modificar a visão. Abre portas para harmonizar um grupo, para as pessoas se relacionarem melhor”, diz Alexandre. Elene Tipple também reitera a importância da música para socialização. “Quando se canta em grupo, há sempre um outro. Para haver harmonia, cantar à vontade, um tem que ouvir o outro e devem sentir respeito um pelo outro”, argumenta a regente.

Conhecendo a musicoterapia



Fernanda Ortins, que também é professora e musicoterapeuta de três diferentes instituições, afirma que a musicoterapia pode ser utilizada na diminuição e/ou prevenção do estresse, bem como no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento ao estresse (coping). O procedimento, para quem desenvolve essa terapia, é primeiramente, participar de uma entrevista inicial e relatar sua queixa. Depois o musicoterapeuta coleta seus dados sonoro-musicais que serão registrados em sua ficha musicoterápica. “A partir da história de vida sonoro-musical deste paciente é que os atendimentos musicoterapêuticos serão desenvolvidos”, afirma Fernanda.

As técnicas aplicadas ao tratamento variam conforme o perfil do paciente, sendo quatro experiências musicais musicoterapêuticas: re-criação, composição, improvisação e audição musical. De acordo com Fernanda, na primeira experiência o cliente pode executar, reproduzir, transformar e interpretar qualquer modelo musical existente. No segundo o terapeuta ajuda o cliente a criar canções, letras ou peças instrumentais. No terceiro o paciente pode fazer música a partir do tocar ou do cantar e pode ser individual e até em grupo. Por fim, na quarta experiência o paciente ouve música e responde à experiência de várias formas como silenciosa ou verbal.

Os resultados dessas experiências são variados, desenvolvendo sentimentos, explora aspectos de relações interpessoais, desenvolve criatividade, liberdade de expressão, melhora habilidades interativas e de grupo. “Por meio dessas experiências musicais musicoterapêuticas, a musicoterapia pode proporcionar o relaxamento, a redução do estresse, o controle da dor, a regulação de funções corporais, estimular imagens (fantasias, associações livres, memórias), energizar (por meio da danças, dramatizações, declamações etc.) e tranqüilizar” afirma a musicoterapeuta.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um novo modo de fazer política

Redes sociais iniciam um processo de democratização de mandatos em que o cidadão também tem voz

Em meados da década de 1980, Alberto do Carmo, 56, era militante e, como muitos de sua geração, lutava pela democracia. “Naquela época se discutia política em sindicatos, sede de partido, e no meu caso, que tinha proximidade com parlamentares que apoiava, nas festas e casas de amigos”. Hoje Alberto do Carmo é professor de Sociologia da PUC e afirma. “Para quem viveu e militou no período de ditadura militar, era quase impossível pensar que quase 30 anos depois fosse tão fácil criticar, sugerir e palpitar tão de perto”, se referindo a uma nova forma de fazer política: a internet e redes sociais.

Alberto ainda lembra que naquela época não era comum ir ao parlamento para debater ideias, discutir política e projetos. Ele acredita que isso nunca foi costume, mas que a internet e as redes sociais ocupam bem esse espaço de debate. Ivan Almeida, 41, é professor universitário e coordenador de suporte técnico e tem como hábito interagir com políticos via twitter. O professor elogia, sugere, discute idéias, mas também critica.

“Atualmente o cidadão não tem muito tempo para se deslocar até a casa do povo. Ferramentas como twitter são importantes para promover essa aproximação”, diz o professor. Ele ainda arrisca sugerir a realização de audiências públicas via redes sociais. “Além de se discutir determinado assunto, a participação de pessoas de diversas regiões da cidade seria possível, garantindo maior legitimidade ao evento”, sugere.



O deputado estadual do PMDB, Thiago Peixoto, acredita que com o maior uso da internet, cidadão e políticos ganham. Mas ele acredita que a sociedade é a maior beneficiada, pois o meio virtual possibilita maior vigilância. “Todos os cidadãos estão cansados de escândalos e baixaria no cenário político, e por isso a transparência das ações dos agentes políticos, gastos públicos, rito das leis, enfim, tudo isso é algo que a sociedade cobra e sempre deve continuar cobrando”. O deputado acredita, porém, que nenhum político vai se comportar melhor por temor à vigilância. “Quem tem mau caráter vai continuar tendo”, diz Peixoto.

Novos usos



Ivan Almeida acredita que o uso das redes sociais contribui para divulgação do mandato dos políticos, e principalmente, para promover um melhor debate sobre suas propostas. “O twitter permite que o político esteja em plenário e ao mesmo tempo pedindo opinião aos seus seguidores sobre assuntos de interesse da população. Lembrando que os seus seguidores nem sempre são pessoas que compartilham do mesmo ideal político, o que contribui para um debate democrático”, defende o professor.

Thiago Peixoto compartilha da mesma opinião de Ivan. “Hoje os cidadãos podem acompanhar tudo nos mínimos detalhes. Podem questionar, dar sugestões e até se mobilizar de maneira mais eficiente.” Pensando assim, por meio de parceria com uma rádio, o parlamentar teve a iniciativa de criar o programa Envolva-se. Por meio da internet e de um programa radiofônico, os cidadãos compartilham e dão publicidade a causas de seu interesse e buscam soluções para determinados problemas.

Outra moda da internet é promover despachos virtuais, que acontecem via e-mail, twitter e até orkut. O cidadão busca o prefeito ou vereadores, faz seu pedido ou reclamação e dali mesmo é encaminhado. Ivan defende esse método afirmando ser uma forma de dar agilidade ao poder público. Thiago Peixoto afirma que na correria nem sempre dá tempo de despachar com assessores e colegas políticos e por isso carrega sempre seu smartphone.

“Os despachos on line, às vezes, ajudam bastante. Mas existem aqueles assuntos que não dá para se resolver pela internet, ai é preciso ser pessoalmente mesmo”, diz o deputado. O vereador do PCdoB, Fábio Tokarski, concorda que não são todos assuntos que devem ser tratados virtualmente. “De alguma forma a internet facilita parte do acesso necessário. Mas meu temor é criar uma ilusão de que isso equacione todos os problemas”, afirma Tokarski.

Limitações

A interação, contudo, ainda não é plena. Para o doutor em Comunicação e Política, professor da UFG e PUC-Goiás, Luis Signates, o caráter democrático da internet está na possibilidade quase ilimitada da fala livre e garante que essa nova forma de interação, por si só, tem caráter democratizante, apesar de que muitos problemas ainda não sejam resolvidos. Ele acredita que, pela profusão e velocidade de circulação das informações, o poder público pode ser controlado pelos cidadãos. Contudo, acredita que muito ainda tem que ser feito para se falar em controle popular dos mandatos pela internet.



“Deve haver, inclusive, uma inserção maior da população, especialmente da mais pobre na internet e nas possibilidades que ela traz”, defende o jornalista. Tokarski, que atua na política há mais de 30 anos, também acredita que a internet esteja ainda num processo de implantação. “Não conseguimos ainda interagir com uma grande parte dos cidadãos. É uma parcela ainda muito pequena que tem acesso”, diz o vereador que não sente o veículo ainda como forte meio de mobilização.

Um dos fatores limitantes, por outro lado, é o fato do político nem sempre responder a todas as mensagens. Ou por interesse, ou por disponibilidade. “Temos vários exemplos de político que só te responde se for elogio, caso contrário descarta”, reclama Ivan que completa. “Pior é que tem político que escala os assessores para responder, ou seja, a resposta exposta ali nem sempre é a dele mesmo”, reclama. Ele ainda reforça que os candidatos não sabem utilizar as ferramentas para debater propostas, mas as utilizam somente para conquistar votos.

Pouca interatividade

Marcus Fidelis tem seu próprio blog. Ele afirma que para haver uma interatividade ideal, tempo e recursos são necessários. “É preciso ter gente que faça isso. Custa caro”, explica o blogueiro. Ele ainda reitera que essa interatividade é falha não só entre cidadão/político, mas entre cidadão/cidadão, a partir de sua experiência com blog. “Os internautas não interagem. E não é só comigo. O Jornal X, do jornalista Eduardo Horácio, é um blog sofisticado, ele é um analista político. Mesmo na fase em que ele esteve mais ativo, eram poucos os comentários.” Ele acredita que um dos principais fatores é que Goiânia é uma cidade relativamente pequena e as pessoas têm medo de sofrerem represálias se forem associadas a um comentário crítico.


Foto: internet

Para Signates o meio virtual ainda não teve o condão de modificar radicalmente o fazer político no Brasil. “Até pela condição ainda altamente elitista da rede, nos últimos dez anos os políticos simplesmente ignoraram ou não souberam utilizar os recursos que ela tornou disponíveis”, justifica o professor. O vereador comunista também reconhece as limitações. “A internet tem um potencial muito forte, mas passa por um processo de aprendizado de parcela da sociedade”. Tokarski acredita que a motivação da internet, hoje ainda é pessoal e não política. “Nessa dimensão, essa percepção está sendo construída. Não se discute política com P maiúscula. Sinto muita superficialidade”, afirma o vereador. “As mudanças só acontecem com ampla participação da população, as redes sociais permitem essa participação, mas ainda não efetivam”.

Signates acredita ser mais prudente olhar para os próximos anos, do que avaliar o impacto da internet até hoje sobre a política. Sem ousar fazer prognóstico, o professor disse esperar mais contato dos políticos com eleitores, propiciando mais debates e discussão da opinião pública política. Espera que a internet propicie formas mais participativas de tomadas de decisão. “E que nos faça mais comunicativos, mais informados, mais participantes. O que significa sermos muito mais cidadãos do que somos hoje”, diz o professor. Por outro lado, também espera que, por meio desse processo, os políticos se tornem mais atentos, fiscalizados e, portanto, mais responsáveis e corretos.

O cidadão também pode ser repórter

As novas mídias têm provado que os cidadãos podem produzir conteúdo de muita qualidade e com viés que as mídias convencionais não produzem. Marcus Fidelis é um típico cidadão que acompanha e fiscaliza o trabalho do poder público até que, em 2005, teve a iniciativa de criar um blog. Ele soube utilizar de forma cuidadosa e dedicada esse caráter democrático da internet para criticar e refletir fatos políticos que a mídia tradicional não aprofundava.


“Eu atuava como produtor cultural e não via a mídia local dedicar, por questões estruturais, um espaço suficiente nem com a profundidade adequada ao setor”. Incomodado com contradições de discursos e realidades não exploradas, Fidelis resolveu, ele mesmo, ir atrás das informações consultando o Ministério Público e pesquisando a própria mídia.

O blogueiro afirma que o acesso aos políticos hoje é outro. Nas eleições de 2008, Marcus, que também é bacharel em Direito, questionou candidato por candidato sobre uma lei que estava em votação, de estudo de impacto de vizinhança. “Alguns responderam, outros não. Isso depende do perfil do político: se tem uma base eleitoral mais crítica, mais politizada, naturalmente vai estar mais disponível. Mas é preciso lembrar que isso toma muito tempo”, lembra Fidelis.

domingo, 18 de julho de 2010

Salve, Mandela!

Eu não sabia que hoje era aniversário do Mandela. E sem saber, bem na virada do aniversário dele, às 0h de ontem coloquei o tão comentado Invictus para assistir. Já vou falando que não sou crítica de cinema, não vou falar da fotografia nem da direção com propriedade. Se estiver esperando isso, pode ir fechando essa guia. Mas, gosto demais de filme. Gosto tanto que não gosto de ler a sinopse de filmes recomendados para eu me envolver mais ainda quando assistir. E eu não li a do Invictus. O que, com certeza, tornou o filme uma surpresa maior ainda. Quando se fala em filme de Mandela, logo pensei que viria toda aquela história dura e triste dos 30 anos na prisão, da violência moral do Apartheid, da trajetória bonita e humilde do Mandela. Nada disso. Em partes, fico com parte da trajetória política e humildade.

Último filme que assisti de Eastwood (esse inclusive ele foi ator, além de diretor) foi Gran Torino. Achei sensacional. Um filme baratíssimo e muito emocionante. O final é totalmente imprevisível e inimaginável. O oposto de Invictus. O final é totalmente previsível. Mas o que diferencia o filme é justamente uma direção que pega um roteiro, na minha opinião, simples e o torna um grande filme e que fale de Mandela muito mais que qualquer filme meio biográfico. Um recorte muito, mas muito pequeno de tudo que Mandela representou e representa e que com certeza fala muito dele, expressa muito quem foi essa figura e como ela mudou a história da África do Sul. E aqui, quero registrar a importância da interpretação de Morgan Freeman. Ele segura qualquer filme, até aquela porcaria de "Antes de Partir" . Mas vou dizer que nesse filme ele conseguiu atingir minha admiração mais profunda. A difícil sutilidade em ser Mandela. E ele conseguiu com toda costumeira competência.

O limite entre mostrar a inteligência de uma ação de um líder político e a ação de um super-herói extraordinária é muito pequeno. E acredito que o filme poderia, facilmente, ter sido piegas e parecer exagerado ao mostrar que investir num time de Rugby poderia mudar a auto-estima e segregação de um povo. Mas tá aí o crédito ao Eastwood ao conduzir o filme de forma que a gente se convença que Mandela não salvou a África do Sul ao voltar suas energias para o time de Rugby. Mas, pessoalmente, me levantei do sofá com o sentimento que é esse tipo de líder político que falta para governar o mundo. Um rebelde com toda paciência, humildade e tranquilidade. Que sabe para onde olhar, como olhar e como fazer.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Web 2.0 way of life

Seis e meia da manhã. Levantar da cama, pegar uma xícara de café e antes ainda de tirar o pijama, apertar a tecla power do computador que estava no modo stand by. Afinal, enquanto o usuário dorme, o computador baixa uns álbuns de músicas ou vídeos. Inclusive os que nem foram para as lojas ainda. Um bom dia aos amigos do twitter e antes mesmo de acessar o jornal digital, por ali mesmo já se informar das principais manchetes na cidade e no país. Claro, se você souber quem seguir. Dar uma olhada como será a temperatura do dia, se poderá ou não correr no parque no fim do dia.

Checar e-mails, dar o parabéns para amiga via Orkut (que, aliás, foi o que lembrou que hoje era aniversário dela), se informar pelo facebook que hoje tem aquele show tão esperado. Ouvir algumas músicas do novo álbum baixado durante a noite, uma rápida avaliação e em algum fórum fazer recomendações. Pronto, sete horas. Agora já pode tirar o pijama, tomar um banho e cuidar da vida. Essa rotina poderia parecer muito estranha para alguém em 2002. Hoje se torna cada vez mais comum. Trocar, escolher, compartilhar, opinar, participar. É essa a nova forma de se usar internet.

Há sete anos nascia o Itunes, uma loja de música digital fácil de usar, barata e rápida. Nos berços ao lado estavam o myspace e o skype. O objetivo do primeiro era reunir músicos. Bandinhas, bandas e bandonas podem ser ouvidas e descobertas através desse site. Um koreano pode ouvir hoje a demo de um grupinho de forró que foi mixada ontem, e quem sabe gostar muito e levar para um festival de bandas independentes em seu país. Já o skype veio aí para diminuir a saudade de quem mora longe ou aumentar namoros on-line. Vídeo e áudio de alta qualidade. E de graça, o que diminuiu as cifras das contas telefônicas de algumas casas.

2004 foi o ano dos blogs. Como toda nova invenção 2.0, ninguém sabia bem ao certo aonde isso ia dar ou o que fazer com aquilo. Alguns usaram como diário, outros para escreverem aquilo que não poderia ser publicado (seja pela linha editorial ou por falta de acesso aos veículos tradicionais). Alguns souberam fazer daquilo a fantástica possibilidade de jornalismo cidadão, que tem sido a grande esperança dos jornalistas que ainda sonham com um jornalismo melhor. Outros abusaram da criatividade e são pagos para fazer aquilo. Katylene e Hoje Vou Assim que o digam.

E daí os podcastings e youtube, que tiraram muita gente do sofá, que ficava ansiosa esperando chegar as nove horas da noite para ver aquele filme ou aquele programa. Um turbilhão de informações e descobertas. Foi o que o compartilhamento de vídeos e áudios proporcionou. Aqui, fica minha experiência pessoal. Hoje, uma das coisas que tenho mais dispensado meu tempo e mais vivido se chama Passarinhos do Cerrado. Um grupo de coco. Coco? Não sabe o que é isso? Eu também não sabia até 2008. Um ritmo nordestino que simplesmente enfeitiçou a mim e mais cinco goianos músicos.

A gente, por um ano, tocou esse ritmo, dançou, cantou, encantou um bando de goianos, viajamos e conseguimos nos tornar um grupo profissional sem nem conhecer Pernambuco (onde o ritmo é mais forte). Conhecemos e aprendemos tudo via youtube e rapidshare (como o próprio nome sugere, é para compartilhar). Depois de um ano pudemos pular carnaval por aquelas terras e re-conhecer todas as influências, que até então, eram virtuais para gente. Provavelmente se não existisse o youtube e o rapidshare no dia 20 de abril desse ano (nossa festa de aniversário), não reuniríamos 900 pessoas no Circo Laheto para dançar coco.

Esse exemplo, apesar de muito, mas muito singular mesmo entre as diversas experiências que a web 2.0 proporcionou para o universo musical expressa a potencialidade dessa nova forma de internet. Não há um ambiente hoje em que ela não tenha causado impacto. Universidade, escolas regulares, jornalismo, esporte, moda, publicidade, economia, política e por que não as religiões têm uma nova forma de atuarem. Aqueles que brigavam pela democracia e por poderem opinar se expressar nas décadas de 1960, 1970 e 1980, não poderia imaginar que a democracia, hoje conquistada, teria um aliado tão poderoso como web 2.0. Uma nova forma de se relacionar, de criar, de fazer política, cultura, economia e conhecimento.