terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um novo modo de fazer política

Redes sociais iniciam um processo de democratização de mandatos em que o cidadão também tem voz

Em meados da década de 1980, Alberto do Carmo, 56, era militante e, como muitos de sua geração, lutava pela democracia. “Naquela época se discutia política em sindicatos, sede de partido, e no meu caso, que tinha proximidade com parlamentares que apoiava, nas festas e casas de amigos”. Hoje Alberto do Carmo é professor de Sociologia da PUC e afirma. “Para quem viveu e militou no período de ditadura militar, era quase impossível pensar que quase 30 anos depois fosse tão fácil criticar, sugerir e palpitar tão de perto”, se referindo a uma nova forma de fazer política: a internet e redes sociais.

Alberto ainda lembra que naquela época não era comum ir ao parlamento para debater ideias, discutir política e projetos. Ele acredita que isso nunca foi costume, mas que a internet e as redes sociais ocupam bem esse espaço de debate. Ivan Almeida, 41, é professor universitário e coordenador de suporte técnico e tem como hábito interagir com políticos via twitter. O professor elogia, sugere, discute idéias, mas também critica.

“Atualmente o cidadão não tem muito tempo para se deslocar até a casa do povo. Ferramentas como twitter são importantes para promover essa aproximação”, diz o professor. Ele ainda arrisca sugerir a realização de audiências públicas via redes sociais. “Além de se discutir determinado assunto, a participação de pessoas de diversas regiões da cidade seria possível, garantindo maior legitimidade ao evento”, sugere.



O deputado estadual do PMDB, Thiago Peixoto, acredita que com o maior uso da internet, cidadão e políticos ganham. Mas ele acredita que a sociedade é a maior beneficiada, pois o meio virtual possibilita maior vigilância. “Todos os cidadãos estão cansados de escândalos e baixaria no cenário político, e por isso a transparência das ações dos agentes políticos, gastos públicos, rito das leis, enfim, tudo isso é algo que a sociedade cobra e sempre deve continuar cobrando”. O deputado acredita, porém, que nenhum político vai se comportar melhor por temor à vigilância. “Quem tem mau caráter vai continuar tendo”, diz Peixoto.

Novos usos



Ivan Almeida acredita que o uso das redes sociais contribui para divulgação do mandato dos políticos, e principalmente, para promover um melhor debate sobre suas propostas. “O twitter permite que o político esteja em plenário e ao mesmo tempo pedindo opinião aos seus seguidores sobre assuntos de interesse da população. Lembrando que os seus seguidores nem sempre são pessoas que compartilham do mesmo ideal político, o que contribui para um debate democrático”, defende o professor.

Thiago Peixoto compartilha da mesma opinião de Ivan. “Hoje os cidadãos podem acompanhar tudo nos mínimos detalhes. Podem questionar, dar sugestões e até se mobilizar de maneira mais eficiente.” Pensando assim, por meio de parceria com uma rádio, o parlamentar teve a iniciativa de criar o programa Envolva-se. Por meio da internet e de um programa radiofônico, os cidadãos compartilham e dão publicidade a causas de seu interesse e buscam soluções para determinados problemas.

Outra moda da internet é promover despachos virtuais, que acontecem via e-mail, twitter e até orkut. O cidadão busca o prefeito ou vereadores, faz seu pedido ou reclamação e dali mesmo é encaminhado. Ivan defende esse método afirmando ser uma forma de dar agilidade ao poder público. Thiago Peixoto afirma que na correria nem sempre dá tempo de despachar com assessores e colegas políticos e por isso carrega sempre seu smartphone.

“Os despachos on line, às vezes, ajudam bastante. Mas existem aqueles assuntos que não dá para se resolver pela internet, ai é preciso ser pessoalmente mesmo”, diz o deputado. O vereador do PCdoB, Fábio Tokarski, concorda que não são todos assuntos que devem ser tratados virtualmente. “De alguma forma a internet facilita parte do acesso necessário. Mas meu temor é criar uma ilusão de que isso equacione todos os problemas”, afirma Tokarski.

Limitações

A interação, contudo, ainda não é plena. Para o doutor em Comunicação e Política, professor da UFG e PUC-Goiás, Luis Signates, o caráter democrático da internet está na possibilidade quase ilimitada da fala livre e garante que essa nova forma de interação, por si só, tem caráter democratizante, apesar de que muitos problemas ainda não sejam resolvidos. Ele acredita que, pela profusão e velocidade de circulação das informações, o poder público pode ser controlado pelos cidadãos. Contudo, acredita que muito ainda tem que ser feito para se falar em controle popular dos mandatos pela internet.



“Deve haver, inclusive, uma inserção maior da população, especialmente da mais pobre na internet e nas possibilidades que ela traz”, defende o jornalista. Tokarski, que atua na política há mais de 30 anos, também acredita que a internet esteja ainda num processo de implantação. “Não conseguimos ainda interagir com uma grande parte dos cidadãos. É uma parcela ainda muito pequena que tem acesso”, diz o vereador que não sente o veículo ainda como forte meio de mobilização.

Um dos fatores limitantes, por outro lado, é o fato do político nem sempre responder a todas as mensagens. Ou por interesse, ou por disponibilidade. “Temos vários exemplos de político que só te responde se for elogio, caso contrário descarta”, reclama Ivan que completa. “Pior é que tem político que escala os assessores para responder, ou seja, a resposta exposta ali nem sempre é a dele mesmo”, reclama. Ele ainda reforça que os candidatos não sabem utilizar as ferramentas para debater propostas, mas as utilizam somente para conquistar votos.

Pouca interatividade

Marcus Fidelis tem seu próprio blog. Ele afirma que para haver uma interatividade ideal, tempo e recursos são necessários. “É preciso ter gente que faça isso. Custa caro”, explica o blogueiro. Ele ainda reitera que essa interatividade é falha não só entre cidadão/político, mas entre cidadão/cidadão, a partir de sua experiência com blog. “Os internautas não interagem. E não é só comigo. O Jornal X, do jornalista Eduardo Horácio, é um blog sofisticado, ele é um analista político. Mesmo na fase em que ele esteve mais ativo, eram poucos os comentários.” Ele acredita que um dos principais fatores é que Goiânia é uma cidade relativamente pequena e as pessoas têm medo de sofrerem represálias se forem associadas a um comentário crítico.


Foto: internet

Para Signates o meio virtual ainda não teve o condão de modificar radicalmente o fazer político no Brasil. “Até pela condição ainda altamente elitista da rede, nos últimos dez anos os políticos simplesmente ignoraram ou não souberam utilizar os recursos que ela tornou disponíveis”, justifica o professor. O vereador comunista também reconhece as limitações. “A internet tem um potencial muito forte, mas passa por um processo de aprendizado de parcela da sociedade”. Tokarski acredita que a motivação da internet, hoje ainda é pessoal e não política. “Nessa dimensão, essa percepção está sendo construída. Não se discute política com P maiúscula. Sinto muita superficialidade”, afirma o vereador. “As mudanças só acontecem com ampla participação da população, as redes sociais permitem essa participação, mas ainda não efetivam”.

Signates acredita ser mais prudente olhar para os próximos anos, do que avaliar o impacto da internet até hoje sobre a política. Sem ousar fazer prognóstico, o professor disse esperar mais contato dos políticos com eleitores, propiciando mais debates e discussão da opinião pública política. Espera que a internet propicie formas mais participativas de tomadas de decisão. “E que nos faça mais comunicativos, mais informados, mais participantes. O que significa sermos muito mais cidadãos do que somos hoje”, diz o professor. Por outro lado, também espera que, por meio desse processo, os políticos se tornem mais atentos, fiscalizados e, portanto, mais responsáveis e corretos.

O cidadão também pode ser repórter

As novas mídias têm provado que os cidadãos podem produzir conteúdo de muita qualidade e com viés que as mídias convencionais não produzem. Marcus Fidelis é um típico cidadão que acompanha e fiscaliza o trabalho do poder público até que, em 2005, teve a iniciativa de criar um blog. Ele soube utilizar de forma cuidadosa e dedicada esse caráter democrático da internet para criticar e refletir fatos políticos que a mídia tradicional não aprofundava.


“Eu atuava como produtor cultural e não via a mídia local dedicar, por questões estruturais, um espaço suficiente nem com a profundidade adequada ao setor”. Incomodado com contradições de discursos e realidades não exploradas, Fidelis resolveu, ele mesmo, ir atrás das informações consultando o Ministério Público e pesquisando a própria mídia.

O blogueiro afirma que o acesso aos políticos hoje é outro. Nas eleições de 2008, Marcus, que também é bacharel em Direito, questionou candidato por candidato sobre uma lei que estava em votação, de estudo de impacto de vizinhança. “Alguns responderam, outros não. Isso depende do perfil do político: se tem uma base eleitoral mais crítica, mais politizada, naturalmente vai estar mais disponível. Mas é preciso lembrar que isso toma muito tempo”, lembra Fidelis.